À espera de bons ventos

O sol corre há algumas voltas do relógio. Tento amenizar as marcas do futuro da minha infância. Lavo o rosto e, em seguida, espalho a máscara de otimismo, com movimentos delicados e circulares. Não consigo dispersar o cheiro de hortelã que escapa da horta e tece as lembranças. O tempo correu mais que as pernas, mas graças, não conseguiu deter meus pés. Nos olhos, guardo a bússola e vou ao encontro de mim mesma. Adiante esbarro nas minhas contradições, não me inibo, lembro dos girassóis: belos e sementeiros. Caminho com o sol, repouso com a lua e deságuo em tempestades, sem melindres com o tempo, me permitindo ter medo de virar a esquina, ou, em situações prazerosas, correr para o abraço.

Hoje, caro leitor, estou é com uma vontade enorme de rever amigos dispersos na correria, estou com uma saudade urgente deles e de mim, de um tempo terno e compartilhado – dos meus vinte anos, quando o tempo parecia infinitamente longo e generoso. Dizem que a saudade é um alimento vão de um espírito desocupado. Às vezes, penso assim, e esqueço que a juventude me escapa, foge. Somos pegos de surpresa diante do espelho. O tempo voa, leva-me. Leva tudo, desgastando-me lentamente.

Tempo houve, entretanto, que passava devagar, nos permitia espreguiçar o corpo, buscar pão fresco na padaria, tomar café com sabor de manhã. Vivo dois tempos: o belo e o bruto. Belo, de outrora, de cordialidade, de muita bossa, conversas de botequim, o escurinho do cinema, de praças com fontes e pipoqueiros – tempo suave – apesar do período histórico delicado, recheado de golpes. Tempo que eu nasci.

Daí, cresci num tempo escuro – em boca fechada não entrava bala –, num tempo de imagens em branco e preto, de arte e intelectuais censurados, presos e exilados. Foi num cenário de proibições que me tornei professora e, posteriormente, estudante do curso de Comunicação. Foi nesse tempo também que adquiri o hábito de deixar a janela aberta, à espera de bons ventos. Sempre aberta para me levar, pelas montanhas, até o mar.

“Life begins at forty” – traduzindo o que todos nós já ouvimos falar, por todos os cantos e entoado em cantos – “A vida começa aos quarenta”. Sei que estou, inevitavelmente, mais próxima do pôr do sol. Mas ainda é cedo. Meio-dia, não preciso correr. O futuro da minha maturidade chegará sozinho e a galope, mas continuarei a explorar meus esconderijos – o encantamento não fugiu de mim.

Estou sendo pessoal, meu amigo, eu sei. Mas, se você pareia idade comigo, sabe desta nostálgica volta ao passado, não tão distante, ou, no mínimo, é capaz de avaliar o valor dos flashback das sombras passando, passando e voltando como sobras de nós mesmos. Vou descobrindo as lacunas que deixei. Faltou-me determinação. Não, não tive maturidade. Penso sem mágoa, há apenas a sensação de que poderia ter sido melhor.

Amadurecer… Envelhecer é mais um exercício solitário da vida.

O dia está frio e cinza e eu, Maria demais, envolta no manto dos meus fantasmas. Melhor é me apressar, me pentear… Vige, preciso é pintar os cabelos, antes que este tempo vento me traga a primavera. Afinal, diz o “poetinha”, saudoso Vinícius de Morais – beleza é fundamental.

Maria Esther Lacerda

E-mail: melclacerda@terra.com.br