No Aeroporto

Eu os vi juntos, e algo me tomou a atenção. Aparentemente havia neles o que há de mais comum em um casal: a proximidade física dos rostos, a mão por sobre o ombro, uma palavra furtiva em sussurro de confidência, e o tempo aos seus pés, pois aprendi –  e como custo a aprender certas coisas! – que o amor torna o tecido das horas um manto inconsútil e quase infinito.
Como o aeroporto estava em pleno bulício dos embarques e desembarques – era uma ensolarada manhã de domingo –, cuidei de fingir interesse também em outros enamorados. Porém, nem bem decorrera um minuto, e lá estava eu, de novo, com os olhos sobre o colo dos dois. Em instantes percebi que residia ali, tal qual inquilino intruso, um pouco de dor.
Digo isso pelos olhos voltados ao rés do chão. A tristeza pesa na visada de quem por ela é punido. Não há horizontes quando a melancolia invade o território de um coração apaixonado. Em tal situação, acredito com toda a força da minha tosca filosofia, ninguém quer falar no amanhã, a esperança se esvai, o presente é tão grande, mas tão grande e doído, que eclipsa o futuro, encobre a tudo e a todos, e o hoje reina altaneiro e soberano, trágico e soberano. Ou pior, trágica e soberanamente iniludível.
E como o pesar humano é sobremaneira ímã para este cronista, esqueci-me do papel de fingido observador e fixei-me na cena em minha frente.
A partir daí não vi mais nada no meu entorno, tudo se resumia ao quadro daquele casal, apaixonado em plena madureza, à espera de um vôo. Notei que as palavas sumiram, em definitivo, dos seus lábios, e que, a partir de um certo momento, passou a apertá-la cada vez mais forte ao peito.
A voz com a programação das aeronaves, de forma lenta e protocolar, lembrava os horários, e a necessidade cruel de partir, principalmente fazendo uso da amedrontadora expressão: “Última chamada!”.
Foi aí, entre um anúncio e outro, que ele observou as horas no relógio e, de imediato, sussurrou-lhe algo ao ouvido. Os olhares só então se cruzaram; eles pareciam até ali temerosos desse ato, e um instante de hesitação habitou as bocas trêmulas…
esperadamente, uma lágrima, brilhante e dançarina, deslizou pela face rubra da senhora.
Nesse exato instante, confesso, quis fugir daquela demonstração de dor. Odeio ser testemunha dessas lancinantes desventuras. Conheço-me bem para saber dos meus limites, e a sangria do amor me conduz fácil fácil para a companhia do choro, copioso diga-se a bem da verdade.
A partir daí, assomou-me à mente um turbilhão de lembranças, lembranças de um pretérito que já julgava olvidado: cenas de romances desfeitos, momentos doídos de outrora, filmes antiqüíssimos em que mocinhos e mocinhas eram separados pelo crudelíssimo destino… A custo, recuperei o equilíbrio, respirei fundo e reuni coragem para voltar ao meu posto de observador. E assim o fiz. Flagrei-os no exato instante da despedida. Ele enxugava suas lágrimas com um belo e longo beijo, sublime consolação, ao tempo em que a cingia com um amplexo apertado.
As palavras continuaram relegadas ao purgatório do abandono. Elas, naquele momento, de nada lhes serviriam.
Caminharam rumo ao portão de embarque e, para surpresa minha, foi ela quem partiu.
Desnorteado, o jovem senhor ficou querendo vê-la na parte interior do salão, embalde. As paredes e os espessos e escuros vidros não permitiriam nem mais um naco de intimidade entre os dois.
No entanto, ele não desistia. Na ponta dos pés, qual um bicho de estimação aflito, que sofria ao se ver separado da sua dona, ele ia e vinha, numa busca desesperada de colher uma réstia de luz da amada, um aceno, ou, talvez, um flagrante de sua imagem.
Um sentimento de pena tomou-me por completo e, sem me aperceber, fui me aproximando. De perto, pareceu-me mais velho, bem dizem aqueles que afirmam que a dor envelhece. Ele estava cabisbaixo, e com uma máscara de sofrimento marcando-lhe a face de quarentão.
Quis falar-lhe; algo como um pequeno consolo, mas quem disse que alguma palavra me socorreu. Todos os meus poemas de amor banharam-se com a pátina do ridículo.
Transcorridos alguns minutos, ele saiu, sozinho, pelo longo vão do aeroporto, em passos miúdos, trôpegos e doridos. E eu fiquei por um bom espaço de tempo a observar-lhe até vê-lo sumir distante. Bem distante.

Clauder Arcanjo – Professor – clauder@pedagogiadagestao.com.br