9º Prêmio Nacional de Poesia – Cidade Ipatinga

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3º lugar – Palavras Defloradas
Lilian Gattaz – São Paulo-SP

nas paralelas

cercado de poucas palavras
calava na garganta a ausência
como se nada fosse sempre

cercado de tão pouca imagem
talvez sonhasse – ou, será, fingia
como se nada fosse

cercado de tão pouca fé
trazia no bolso um hiato
como se nada

cercado tão pouco de si
sabia que a palavra é pena
como se.

fábula traída

quando da boca
do lobo
o beijo adocicado
faz da lua prenhe de enganosas águas

quando das antigas misérias
luxos rechaçados
cristalizam quimeras oportunas

luas        lunas       moondanas
afogam-se narcísicas nos cristais boêmios

das luas derretidas
das bocas derretidas
das línguas amordaçadas
a palavra esfíngica surge
e o poema cifra

e o poema em pó constrange tange
tangencia
voz & fera

vasilhames de memórias flutuam
ridicularizando o tempo que te quer
– palavra fabulosa –
que excede o verbo
reverbera
para azular às margens da língua
adocicar o lodo
avinagrar o mel da lua
meio loba
meio globo
meio ex-fera
quando da toca
da noite o sim desponta
como grito de não quase infundado
e que disfarça a força bruta do desejo
a fera de sua farsa destronada
morre distraída em pleno beijo
na geléia de sua enorme
e imprópria
boca.

memórias de um oitavo mar

do perfume que singrava
memórias de um oitavo mar
sangra o tempo morto em plena aurora
sangra do abraço arrependido e flácido
as pontas das unhas encarnadas de rancor
sangra nas noites o som da flauta refratária
sangram pupilas e
papilas sangram de éter
as papoulas colhidas pelo olhar do outono
sangra o verso na indolência da tarde
sangra no poente o vermelho da nudez
sangra a jarra de sangria vertida sobre a mesa
onde a solidão se serve
sangram de palavras descascadas
as veias atadas às digitais de um ontem
sangram penas que se perdem nos lençóis da lua plena
sangram sombras longilíneas sob postes de luz periférica
e sangram na periferia do desejo
as pernas contrariadas – mais uma vez –
amantemente.

– da minha janela vejo sangrarem pássaros
que perfilam vidas por um fio.

nesta terra sem saídas nem céus

tenho a pele saturada de palavras
dor
neblina e arrepios
a poesia,
que ainda é quase,
traz a cor esbranquiçada
       de carne ceifada ainda há pouco
refaz o fluxo dos peixes originais
incorpora o som das insônias
                                   das nevascas e da culpa.
tenho a pele saturada de palavras
dor
neblina e arrepios
venho de pernas sem fronteiras
teimando à beira da ferrugem e do pó
da serra desolada
e nesta terra sem saídas nem céus
minhas passadas se encontram
a cada noite de contos
sonhos promessas e arrepios
e enquanto a noite submerge nestes cantos de imensa espera
ou submerge arrastada pelos ventos melancólicos
enquanto a noite submerge no perfume da flor mediterrânea
ou na memória dos frascos vazios
enquanto a noite submerge no frio destes mares desérticos
ou no sal das lágrimas desistidas
enquanto a noite submerge nas tintas da uva assimilada
ou na nudez do flamboaiã outonal
enquanto a noite submerge na vertigem das íris de lilás
ou na púrpura senil dos horizontes
enquanto a noite submerge na sílaba sensível do verso censurado
ou submerge na anemia plácida de cada reticência,
eu não sei como escrever poemas
sem destruir palavras
sonhos promessas
e arrepios.

Epílogo

manhã
um corpo arranhado desperta
em lençóis de plátanos secos

à tarde
lhe ofereço as sobras mornas
dos nevoeiros desistidos

noite
um arrepio submete minha pele,
seu desejo me sequestra

o corpo deita no meu colo a sua ausência
seu perfil ainda aperta o travesseiro machucado
amanhece outono

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