9º Prêmio Nacional de Poesia – Cidade Ipatinga

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Menção Honrosa – Bicho-da-Seda
Alzira Maria Umbelino – Belo Horizonte-MG

Trem

Ele passava por aqui,
aqui mesmo onde era a entrada

desse alpendre,
só ele
em mil janelas,
todo dono da viagem
engolia os olhos da gente

sonho de ouro
cada vez mais fundo,
na terra,
no oco do mundo

roçava por mil veias do barro mole,
pedra flor – pedra mole –  pedra santa

roçava caminho que parecia ser o fim
rastro vermelho no tempo,
pedra ferro,
pedra mãe,
dos morros,
do deserto

ele passava,
bordava
trilhos –  pontes –  pastos,
fontes –  grotas –  desvãos,
porteiras – torres – portadas,
cancelas – varandas –  solidão

nada de choro,
mapa decorado na cabeça da gente,
o trem vaga por aí,
não vai embora não

Brinde

na fresta de um segundo,
quando se ganha coragem,
outro é o passo:
bater-se em retirada

em pulo de gato,
em fôlego de vento,
no bojo das lembranças,
rendo-me

o jeito é ir atrás do que não se perde no caminho:
renda, rede, roda, moinho,
redemoinho a dentro,
cheiros, afagos, tons, sons,
bálsamo para olhos secos de neon

mais uma vez,
apresento os muitos passos de agora
às primeiras cenas,
às datas que custavam a passar,
as mesmas velas coloridas,
ao afeto cristalizado
em figo, cidra, laranja, mamão…

trigo, açúcar, leite, fermento, gema e clara…
um quê de eterno na massa branca,
batida sem pressa, por mãos mágicas,
por toda a roda do dia.
na moldura de um tempo nunca imperfeito

e na boca da noite,
momento pra lá de perfeito,
sabor de morango, pêssego, abacaxi…
essência de baunilha…
sob a coroa de glacê,
o senhor da mesa,
manjar moldado na chama dos deuses,
para deixar sempre,
no céu da boca,
o gosto de um tempo mais-que-perfeito

Folia

Belchior corria como bicho solto,
sonhava com Maria Santa,
menina vigiada por mãe, avó,
madrinha, vizinha e tia solteira

no tapa, Gaspar disputava tudo:
bolo de palha de milho,
fruta roubada,
canivete cego,
rompia qualquer cerca
– coisas de filho sem pai –
e de surras que não curam ninguém

no escuro das manhãs
nada de brincadeira com Baltazar,
o sono abreviado pelo sino das matinas,
na vida de obrigações
– água carregada da bica,
trato das criações,
lenha cortada
e capela lavada antes do sino do meio-dia

uma saudade de longe
na tarde enorme,
o largo dormindo,
criança na escola,
gente grande na lida,
um vento atrevido nas grimpas da capela

para ofício da noite
de novo o sino,
o largo lotado,
o adro sagrado,
de novo a capela,
a ladainha de todos
e o silêncio dos santos

nas graças de um mascate
Maria Santa sumiu,
pai de verdade apareceu
para fechar os olhos perto dos seus,
um zelador vem abrir a capela,
de vez em quando

sob mantos de cetim colorido,
três homens cantam,
cantam
a sorte de um menino,
de todos os meninos

Grafite

gnomos, duendes, salamandras,
– tantas coisas estranhas que criança esquisita diz ver –
pra longe carregavam o que podiam salvar.
entre um dever de casa,
uma obrigação do dia,
um sem fim de afazeres,
depois do tormento da tabuada
– folha seca sem cor nenhuma

no átimo do tempo,
delícias sobre folha de seda
– as mãos de um deus! –
guarda-sol,
guarda-chuva,
uma sombrinha, duas, três…
fechadas, abertas, grandes, pequenas…
paraquedas de mil cores para qualquer sonho
– quase sempre esborrachado sob o sol,
o mesmo sol que chegava
para abrir a porta,
abraçar a cara pintada em um sorriso só
daqueles que driblam qualquer lição de muito siso

mil faces em fuga da terra,
sobem no vermelho, laranja e grená,
mil pontos de luz em cada piscar de olho
dançam no verde de uma árvore que voa,
se esbaldam nas trilhas descaradas do vento

nessa hora, cara lavada pela chuva,
despencar lá de cima só para navegar
universo de stratus, cumulus, nimbus…
só para moldar aqui, um reino
nem sempre azul
mas sempre nuvem

Não

Certamente valia muitos contos,
o pai dizia,
o avô teve um parecido –
crina,
cauda,
cor
até o tropel era mais dono do lugar

na rua os meninos,
os homens faziam contas,
apalpavam as ancas,
avaliavam os dentes,
os cascos,
previam crias fabulosas

um dente de ouro,
um olho de vidro,
barriga grande,
– coisas de gente ruim,
sem alma –
Fez trato com o capeta para ficar rico,
o dono daquele animal

até no adro da igreja,
bem diante da porta,
bem no rumo do altar,
bem de frente ao andor,
suando em bicas,
empinado sobre aquelas patas escuras

espremidas entre cortinas,
pelas frestas das janelas,
as meninas e suas mães desenhavam o cavalo
– grande,
castanho,
uns olhos que faziam maiores os da gente,
espichando para longe,
para o outro lado da estrada a vontade de ver